sábado, 31 de outubro de 2015

O renascimento

(história anterior)

Desde a visita nocturna ao cemitério e aquele momento aterrador dentro do mausoléu, a vida de Rui transfigurou-se. O rapaz tornou-se mais nervoso, mais agitado e mais introvertido, começando a sair menos vezes de casa, não só por falta de vontade de sair mas também por começar a sentir alguma fotossensibilidade. Tornou-se também uma pessoa mais doente pois, por mais que dormisse e comesse, de manhã sentia-se sempre fraco.


Esse estado de fraqueza tornou-se de tal forma sério que ele acabaria por ter de ser internado no hospital após uma série de desmaios e de ter emagrecido em demasia. De facto, Rui sempre fora um rapaz de corpo forte, frequentador de ginásios, mas nos últimos tempos ele havia emagrecido de tal forma que, quando foi internado, o prognóstico inicial foi de anemia. Depois de dias de tratamento e do piorar do estado de saúde de Rui, os médicos tiveram de começar a fazer transfusões de sangue para tentar dar alguma vida àquele rapaz, pois a palidez no seu rosto já era uma constante. As transfusões fizeram Rui recuperar alguma da sua cor e melhorar um pouco; só que, dias mais tarde, o seu estado de saúde voltou a regredir, sendo precisa mais uma transfusão sanguínea. Nos dias seguintes, Rui oscilou entre os dias em que estava a recuperar bem e os que acordava sem forças sequer para levantar os braços e sem pinga de sangue no rosto. E os médicos eram incapazes de explicar as súbitas recaídas: foram feitos exames, temendo que houvesse uma hemorragia interna, mas nunca foi detectado nada. A única coisa encontrada foram duas marcas circulares esbranquiçadas na zona do pescoço, mas foram descartadas como sendo algo normal. E, à medida que Rui sofria recaídas e recebia transfusões, o alívio que elas proporcionavam era menor. Nem a alimentação ajudava na recuperação, uma vez que ele começou a ter menos fome: quando comia ingeria poucas quantidades de alimento, e mesmo essas entravam com pouca vontade. Os médicos começaram a perder as esperanças de Rui poder salvar-se. Ao mesmo tempo, admiravam-se com as marcas no pescoço, que não desapareciam, e com a aparência que Rui tinha quando dormia, parecendo mais forte e mais rosado, de respiração pesada – em contraste com o seu aspecto durante o resto do tempo, pálido e enfezado.
Pouco mais de um mês após o seu internamento, a fraqueza de Rui deixou-o incapaz sequer de levantar a cabeça. Os familiares foram chamados de imediato, uma vez que os médicos adivinhavam que o fim estava próximo. No meio de muitas lágrimas, Rui fechou os olhos, respirou de forma pesada durante alguns instantes e faleceu.
Na autópsia, feita a pedido dos médicos para tentarem apurar uma causa definitiva de morte, a única coisa encontrada digna de registo fora o facto de as feridas que Rui ostentara no pescoço terem desaparecido. De resto, e depois de algumas horas, o corpo foi fechado e o mistério continuou; sem mais opções, o médico principal escreveu na causa de morte “perda prolongada de sangue”.

O funeral foi marcado para dois dias depois. Na véspera, o caixão com o corpo de Rui foi levado para a casa mortuária ao lado do cemitério para ser velado durante a noite e manhã, sendo esperado por um pequeno grupo de pessoas, algumas delas a chorar copiosamente.
À medida que as horas avançavam, muitas das pessoas que ali estavam foram-se retirando para descansar umas horas antes de regressarem pela manhã. Mesmo as poucas que ficaram a velar o corpo de Rui acabaram por passar pelas brasas, apesar das cadeiras desconfortáveis.
Então, já pela noite dentro, entrou na casa mortuária uma mulher peculiar. Ela era alta e de porte majestoso, como se fosse uma rainha. O seu longo cabelo estava pintado de duas cores – franja preta e restante cabelo roxo – os seus lábios carnudos eram encarnadíssimos, as suas maçãs-do-rosto apresentavam uma tonalidade rosada e as suas pálpebras estavam pintadas de roxo quase negro. O seu olhar causava impressão a quem a visse de frente, pois os seus olhos eram de uma tonalidade amarela algo doentia. Ela estava vestida de preto, com uma camisa de seda de manga comprida abotoada até ao pescoço, um corpete com molas metálicas à frente e luvas curtas de cabedal. Vestia calças de cabedal e calçava botas de salto alto do mesmo material, pelo meio da perna e com atilhos de alto a baixo. Apesar de os seus passos ecoarem pela casa mortuária e do seu aspecto extravagante e voluptuoso, nenhuma das poucas pessoas que lá estava reagiu – dir-se-ia mesmo que elas estavam profundamente adormecidas.
Ela deteve-se quando se abeirou do caixão e olhou para o corpo de Rui, a observar o ar sereno que haviam colocado no rosto do defunto.
- Meu querido… foste tão depressa… – suspirou ela, com voz aparentemente triste.
A sua mão enluvada acariciou-lhe o rosto, ajeitando-lhe o cabelo, enquanto ela olhava embevecida para o cadáver.
- Decaíste tão depressa… talvez tenha puxado muito por ti, talvez te tenha enfraquecido em demasia. Eras para ter durado mais uns meses. Mas isso agora não importa. Já não importa.
A mulher debruçou-se sobre o corpo e beijou-lhe prolongadamente os lábios frios. Depois, ergueu-se, retirou as luvas, revelando umas mãos com unhas compridíssimas, quase em jeito de garras, e pintadas metade de encarnado e metade de preto. Com uma mão, ela abriu os lábios de Rui enquanto, logo a seguir e com a outra mão, ela abriu uma veia no seu pulso e fazia com que o sangue que escorria pela ferida se precipitasse na boca aberta do cadáver. O rosto da mulher não apresentou qualquer reacção durante aquela operação, quase como se o que estivesse a fazer fosse trivial para ela.
Depois de um minuto ou dois, ela retirou o pulso de cima da boca do corpo e voltou a calçar as luvas, ao mesmo tempo que a ferida do pulso se começava a fechar. Logo a seguir, ela voltou a debruçar-se sobre o cadáver e beijou novamente os seus lábios, desta vez durante mais tempo. Quando os lábios dos dois se separaram, ela olhou para o rosto de Rui.
- Vou ficar à tua espera, Meu querido. Temos tantas coisas para fazermos juntos…
Voltou a erguer-se e afastou-se do caixão, dirigindo-se para a porta de saída sempre de passo decidido, sem olhar para trás. O som dos seus saltos voltou a ecoar pela casa mortuária até ela sair da divisão.

O funeral decorreu depois das 11h do dia seguinte, sob um Sol impiedoso. Apesar disso, foram muitas as pessoas que quiseram acompanhar Rui à sua última morada, uma simples cova rasa num dos talhões mais recentes do cemitério – o mesmo cemitério onde haviam começado os problemas de Rui. O caixão foi levado no carro funerário até dentro do cemitério, com alguns amigos do defunto a pegarem nele e a carregarem-no em ombros até à campa aberta, onde um padre o esperava para a cerimónia fúnebre. E foi sobre um coro de lágrimas e prantos que a urna foi colocada no fundo da cova e que a terra começou a cair sobre ela, à medida que o coveiro começou a tapá-la. A multidão que comparecera ao funeral começou a desmobilizar, lentamente, até que ficou unicamente o coveiro, encarregue de cobrir o caixão e de compor a campa resultante, cobrindo-a com as flores e coroas que as pessoas haviam trazido.
O dia foi avançando, e eventualmente o Sol começou a cair no céu, assinalando o final do dia. O coveiro olhou ao seu relógio, arrumou as suas coisas, fechou a casinha de apoio onde passava o tempo (quando não tinha de abrir covas ou fazer alguma manutenção), dirigiu-se para a entrada do cemitério, virou-se para trás, benzeu-se como sempre fazia quando entrava ou saía daquele local e fechou o portão do cemitério, deixando os defuntos acompanhados unicamente pelos pardais que habitavam as árvores em redor à medida que o laranja do Sol poente ia banhando as pedras tumulares.
Algumas horas depois, já quase noite cerrada, um vulto saiu de dentro de um mausoléu na outra ponta do cemitério. Aquele vulto, à medida que se aproximava do talhão onde o corpo de Rui havia sido enterrado, transformou-se na mulher com cabelo roxo e preto que comparecera no velório do desafortunado rapaz. Ela foi andando num passo calmo, como se tivesse todo o tempo do mundo, olhando para todos os nomes das campas por onde passava, reconhecendo uma ou outra. Assim que chegou à campa mais recente daquele espaço, a de Rui, ela deteve-se, ficando à espera de braços cruzados.
Ela ainda teve de esperar durante algumas horas. Então, uma nuvem de fumo, humidade, névoa – enfim, algo – começou a levantar-se da terra mexida recentemente, aparentemente partindo de debaixo de uma pedrita no solo. Aquela nuvem foi crescendo em volume, até ter o tamanho de um ser humano. Quando a terra deixou de libertar aquela névoa, a nuvem começou a solidificar, transformando-se num homem – transformando-se em Rui! Assim que o corpo solidificou por completo, ele olhou para as mãos, olhou para o seu corpo, olhou em redor… e viu a mulher que o esperava, com um sorriso sádico nos lábios. Rui sorriu em resposta.
- Boa noite, Meu querido. – disse ela, indiferente à reacção de Rui – E bem-vindo à imortalidade.
- Boas noites, minha Rainha.
Foi um Rui muito diferente a falar. O seu olhar era duro, algo impiedoso até, e a sua voz estava mais rija e cheia de sedução.
- Deves agradecer-Me: dei-te a possibilidade de viveres para sempre… como Minha propriedade, obviamente.
- Muito obrigado por me colocar sob o Seu domínio, minha Rainha.
Ela levantou uma mão e Rui aproximou-se daquela mulher. Ao vê-lo, ela sorriu abertamente, notando-se os caninos sobredesenvolvidos.
- Se fugires de Mim, penarás para toda a eternidade sem saberes o que fazer para acalmares a fome que já se começa a fazer sentir, não é verdade, Meu súbdito?
Rui mirou-a, incrédulo, sem saber como sabia ela que ele se sentia esfomeado…
- Senhora, eu pertenço-Lhe, não fugirei…
A mulher sorriu, depois encostou a sua boca ao ouvido de Rui e sussurrou:
- Ajoelha-te de quatro.
A mulher não exercia o seu controlo como da primeira vez, em que Rui ficara trancado no mausoléu com ela: desta vez, ele agia por sua própria vontade, enquanto ela se sentava num jazigo de mármore.
- Beija-Me os pés. Aceita a tua condição de Meu servo, de Meu submisso, obedece-Me inquestionavelmente, e em troca Eu ensinar-te-ei tudo o que precisas de saber sobre a tua nova vida.
Rui obedeceu com o maior dos prazeres: começou a beijar o cabedal das botas daquela mulher, depois lambendo a perna da bota por completo, não deixando um centímetro por polir com a língua.
- Levanta-te. – ordenou ela.
Ele assim o fez; nessa altura a mulher agarrou com força em Rui e arrancou-lhe as roupas com que o haviam enterrado, deixando-o nu, para depois o deitar bruscamente em cima do mesmo túmulo, de barriga para cima, e sentando-se sobre ele. Logo a seguir, ela baixou as calças, descobrindo o seu baixo-ventre – e os pêlos púbicos cortados em forma de morcego.
Sem dizer palavra mas com um rugido semelhante ao de uma fera, ela sentou-se sobre o baixo-ventre de Rui, com o pénis do rapaz a entrar-lhe na vulva. Soltou um gemido de prazer enquanto Rui suspirou ao sentir o seu órgão na vagina apertada e húmida daquele demónio, esquecendo-se da sua situação. A mulher saltou incessantemente no colo do seu novo servidor, empalando-se repetidamente na pila dele, enquanto as suas mãos enluvadas desapertavam febrilmente os botões da camisa e baixavam o seu soutien, revelando os seus seios volumosos e os mamilos rosados, que ela imediatamente começou a apertar com os dedos, puxando o outro seio para cima para passar a sua língua decorada com um piercing pelo outro mamilo. Pouco tempo depois, a calma do cemitério era interrompida pelos gritos da mulher, gemendo e resfolegando ao atingir o orgasmo enquanto Rui procurava unicamente dar-lhe prazer.
Quando se sentiu satisfeita, a vampira levantou-se do colo de Rui e ajeitou a sua roupa, enquanto ele se levantava do jazigo e se cobria com restos das roupas com que o seu corpo havia sido vestido. Assim que ficou pronta, ela aproximou-se de Rui e agarrou-lhe com força no maxilar, enquanto ele baixava o olhar.
- Que dizes? Aceitas o Meu domínio sobre ti e servir-Me-ás até ao fim dos dias?
Rui – ou o demónio com a forma de Rui – fechou os olhos e sorriu.
- Nada me dará mais prazer do que acompanhá-l’A e servi-l’A eternamente. – proferiu, ajoelhando-se aos pés da sua interlocutora.
Ela soltou uma gargalhada.
- Óptimo! Então diria que está na altura de tratarmos da tua primeira refeição… Acompanha-Me!
E Rui, após se voltar a erguer, sorriu também e seguiu a sua madrinha vampiresca e nova Dona, enquanto esta se dirigia para os portões de ferro do cemitério e se transformava num morcego, levantando voo logo de seguida.

1 comentário:

  1. Que dizes? Aceitas o Meu domínio sobre ti e servir-Me-ás até ao fim dos dias? Frase tua que te faço eu agora... <3 <3

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