segunda-feira, 14 de março de 2016

Ida à noite

(história anterior)

- Luís?
Não liguei, estava demasiado concentrado no computador e no jogo. O meu clã de "Lineage 2" tinha marcado um ataque a um dos bosses para aquela hora e eu tinha de estar presente.
- Oh maninho…
Continuei a não reagir, o que se passava no ecrã do meu PC era mais importante que qualquer outra coisa. O boss que estávamos a atacar só aparecia uma vez por semana e àquela hora; se não o conseguíssemos matar naquele ataque, íamos ter de esperar mais sete dias até podermos tentar novamente, por isso tínhamos de ser bem-sucedidos. Para além disso, o que quer que fosse que Joana quisesse podia esperar, certo?
Subitamente, o meu quarto ficou totalmente às escuras: o meu PC desligou-se, as colunas silenciaram-se e as luzes apagaram-se. Fiquei durante uns segundos a olhar para o ecrã com cara de parvo, à espera de perceber o que se tinha passado; depois, a minha desprezível irmã mais velha abriu a porta.
- Agora já me podes dar atenção? – perguntou ela, com tom de gozo.
- Tu… que fizeste, caralho?! – berrei, compreendendo enfim o que se havia passado.
- Nada, apenas puxei um botãozinho para baixo. Tinhas isso a fazer muito barulho!
- Foda-se! E agora?! Mandaste a minha quest para o caralho! – continuei fora de mim, levantando-me e encostando a minha cara à dela.
- Quero lá saber da tua quest. Sabes que dia é hoje?
- Quero lá saber dessa merda!
- Hoje é Dia Internacional da Mulher – continuou Joana indiferente aos meus gritos – E para festejar este dia, eu e as minhas amigas vamos jantar fora.
Olhei-a com incredulidade. Ela havia-me desligado a luz do quarto por causa de um jantar?!
- E que tem eu a ver com isso?! – brami.
- E, como tal, queremos convidar mais uma menina para vir connosco. A Luísa.
- A Lu… foda-se, Joana, isso não, a sério… deixa-me em paz!
- Sim, maninho, a Luísa vai jantar connosco. Falei em convite mas estou a exagerar, OK: eu quero que a Luísa venha connosco. Senão…
- “Senão”…?
- Senão vou dizer ao pai que me andas a espiar no banho.
Franzi o sobrolho.
- Eu não te ando a espiar!
- E achas que o pai acredita em qual de nós, maninho? – perguntou ela com um sorriso maldoso – Não te esqueças que já te encontrei no meu guarda-fatos a espiar-me! E talvez uma das fotos da Luísa apareça no teu perfil do Facebook…
Empalideci. Infelizmente ela tinha razão: acontecesse o que acontecesse, o nosso pai dava sempre a razão a Joana. E ela sabia que só isso era o suficiente para me obrigar a fazer tudo o que ela quisesse. Acabei por baixar a cabeça, vencido.
- OK, OK… eu vou-me vestir.
Virei costas mas Joana agarrou-me por um braço e arrastou-me atrás dela.
- Não, vens comigo. Vais sair como eu quiser.
E, enquanto sentia um arrepio na espinha, fui levado para o quarto da minha irmã.

Uma hora depois, já eu estava no meio das desprezíveis amigas de Joana, Sara, Bruna e Lúcia – as mesmas que, semanas antes, me levaram a passear vestido de gaja. E, tal como nesse dia, Joana fizera-me vestir roupas dela: umas leggings pretas justas, uma camisola às riscas rosa-choque e branca, e deu-me umas sabrinas pretas para calçar, algo que fiz extremamente contrariado. O pior foi quando, depois de ela ter perdido uns dez minutos a maquilhar-me, me colocou uma peruca cor-de-rosa na cabeça e, com um sorriso nada simpático, disse que queria que eu sobressaísse na multidão – quando eu queria era passar o mais despercebido possível!
E no restaurante a coisa não foi melhor. O local escolhido era um chinês com buffet, ou seja, nós é que nos íamos servir. E todas elas acharam tremenda piada a entregarem-me os seus pratos, uma de cada vez, e a irem comigo para meterem comida no prato enquanto eu o segurava. Tive de o fazer para todas elas, só podendo servir-me após as quatro estarem a comer. E sempre que me levantava e ia buscar comida, havia sempre olhares na minha direcção, seguido de um sorriso mal disfarçado. Sentia-me absolutamente horrível e todas as quatro sabiam-no e deliciavam-se com isso. Acho que até queriam pouca comida de cada vez para que eu tivesse de me levantar muitas vezes! E, como se não bastasse o facto de eu ser uma autêntica mancha cor-de-rosa, todas quatro fizeram questão de estar sempre na galhofa e aos gritinhos, atraindo o máximo possível de atenções para a nossa mesa. Quase cheguei a rezar para que os donos do restaurante nos metessem na rua…
Estivemos no restaurante quase até hora de fecho, esperando eu que, depois disso, fôssemos para casa; infelizmente Joana e as amigas tinham outra ideia.
- Vamos sair! – sugeriu Bruna assim que a porta do restaurante se fechou atrás de nós.
- Hoje? Mas há alguma coisa aberta hoje? – Joana franziu o sobrolho.
- Um bar onde trabalha um amigo meu está aberto todas as noites, ’bora!
- Hmm… – Sara não parecia estar muito convencida – Amanhã tenho aulas de manhã, não me posso deitar tarde…
- Oh, é só um copo e vamos embora. Que dizes, Joana? – Bruna virou-se para a minha irmã – Há lá uns gajos a quem podes apresentar a Luísa…
Joana soltou uma gargalhada.
- Por mim, pode ser. Mas só um copo!
E, para meu horror, todas quatro aceitaram a ideia. Lúcia e Joana enlaçaram os seus braços nos meus, para que eu não fugisse (como poderia eu fazê-lo se eu não tinha as chaves de casa, apenas Joana?) e caminhámos rumo ao bar do amigo de Bruna.
Obviamente nos momentos em que estivemos no bar elas voltaram a fazer os possíveis para me humilharem ao máximo. Tal como no restaurante, eu é que tive de ir buscar as bebidas para todas elas, com a agravante que eu tive de ir ao balcão fazer os pedidos ao barman – ou seja, falar com ele. E apesar de a música estar alta e de eu tentar disfarçar a voz, creio que ele me topou. Especialmente porque eu tive de repetir os pedidos até ele me conseguir perceber, não sei se mesmo de propósito. Havia alguns gajos ao balcão que me olharam pelo canto do olho com desconfiança; um deles chegou-se mesmo a roçar em mim antes de eu acabar de levar bebidas para a mesa onde estávamos, algo que me deixou sem reacção. Quando voltei a olhar para as quatro raparigas, todas elas estavam perdidas de riso, com elas a assistirem a tudo “de cadeirão”. Pousei as bebidas, agarrei no meu copo e bebi a Coca-Cola de penalty, enquanto voltava a rezar para que elas se quisessem ir embora. Só que, apesar de, no dia seguinte, todas elas (e eu também) terem aulas, estavam com pouca vontade de arredar pé dali… e, enquanto isso, eu ia deitando um olhar ao balcão, reparando sempre que o gajo que se tinha roçado em mim anteriormente tinha os olhos fixos em mim!
E, misericordiosamente, perto da 1h, Bruna levantou-se e sugeriu que nos fôssemos embora, que era tardíssimo e que amanhã era dia de aulas. Uma por uma, todas elas foram pagar, e eu fui atrás delas, ficando em último lugar na fila. Assim que dei o meu dinheiro ao barman, senti uma mão agarrar-me com força numa nádega. Dei um pulo para a frente e soltei um grito de surpresa, virando-me para trás só depois. Ia para mandar vir, mas ao ver a cara de mau do gajo fixa no meu rosto, virei costas e fugi na direcção de Joana e das amigas.

- Nunca mais, Joana! Ouviste?! – gritei, já em casa.
- Fala baixo! Queres que os pais te ouçam? – protestou ela, em surdina.
Tentei acalmar-me, enquanto arrancava (era esse o termo certo) as roupas que a minha irmã me havia vestido.
- Nunca mais me voltas a fazer uma desta, ouviste bem? Não estou para ser apalpado por gajos, nem sequer para ser vosso criado…
- Mas tu és o meu criado. Esqueces-te de que tenho fotos de ti em trajes femininos? Quem sabe se o pai não tropeça nelas algum dia, se o meu tablet não vai ficar esquecido no sofá da sala, cheio de fotografias tuas a passarem em slide…
- Sim? E eu posso dizer que isso são fotomontagens tuas! – rugi, desesperado.
- Pois podes, maninho, pois podes. E como vais justificar quando lhe disser que me andas a espiar no quarto? A mim e às minhas amigas?
Suspirei fundo. Eu sabia que eu nunca era capaz de levar Joana de vencida, tudo por causa daquelas malditas fotos…
- Todavia, a noite de hoje deu-me uma ideia. – continuou ela – Se calhar daqui por uns tempos faço um acordo contigo. Não divulgo fotografias tuas se tu engatares um gajo e dormires com ele…
Empalideci.
- Tu… tu não serias capaz disso!
- Tenta-me. – ela debruçou-se na minha direcção – A sério, maninho, puxa por mim, desafia-me. Acho que esse é o passo lógico para a Luísa. Se ela já sai à rua e já seduz meninos, dormir com eles é só mais um degrau…
- Vai-te foder, Joana!
E fugi para o meu quarto, enquanto ouvia as gargalhadas da minha irmã.

1 comentário:

  1. Ceder às chantagens dá origem a que as mesmas nunca acabem, e a mana e as amigas arranjaram ali um entretêm. Como sempre bem escrito. Beijinhos <3

    ResponderEliminar