quinta-feira, 19 de março de 2015

A cota das botas

Tenho de começar estas linhas com uma confissão: adoro botas. De mulher. De salto alto. Seja pelo meio da canela (o mínimo para mim), pelo joelho, pelo meio da perna ou mais acima, adoro vê-las. Fico a babar-me sempre que entro nos sites de calçado me meto a olhar para aquelas botas lindas, lindas que eles lá têm à venda a preços absolutamente pornográficos. Passo por algumas sapatarias, mas a grande maioria só tem botins de salto alto e botas de tacão raso, à cavaleira – não que estas últimas fiquem mal, mas… não me enchem tanto as medidas como o salto-agulha. Acabo por encolher os ombros e ter de ir às lojas chinesas comprar algumas das que eles por lá têem, apesar da qualidade não se comparar… mas já dá para o uso que eu lhes dou. Sim, porque, para além de adorar vê-las, também adoro calçá-las, andar com elas, ouvir o som dos seus saltos a ecoar no chão sempre que dou um passo. E tenho de admitir que, muitas vezes, eu deito-me na cama, unicamente de botas calçadas, e masturbo-me enquanto beijo, cheiro algumas das minhas outras botas de colecção.


Este meu fétiche também se manifesta um pouco no dia-a-dia porque, quando ando na rua, o meu olhar está constantemente a olhar para baixo, para o que as meninas e senhoras trazem calçado. Sempre que oiço o som de saltos no chão, olho logo para baixo, para ver o que trazem nos seus pés; muitas vezes, acabo por me desiludir, porque ou são uns sapatos sem graça, ou uns botins (que, por muito giros que sejam, para mim deviam ter nem que fosse um bocadinho de perna…), ou umas botas de salto raso… mas, ocasionalmente, lá aparece algo que me provoca um brilhozinho nos olhos, uma bota pelo meio do joelho, por cima das calças, collants ou leggings (ou mesmo em pernas nuas), preta ou de outra cor, lisa ou com pregas e tiras… e imagino como seria se aquela menina ou senhora estivesse num acto íntimo com elas calçadas – pode é dar-se os casos que a pessoa em questão não seja atraente o suficiente, mas isso é secundário: consigo fantasiar à mesma.
Uma tarde, estava a vir do trabalho, na Avenida da Liberdade. Vinha a pé, como sempre, a caminho para a entrada do Metropolitano para apanhar o dito que me levasse para a outra ponta de Lisboa, e estava uma tarde de Sol ainda invernoso, que acaba por não aquecer muito. Ia subindo a avenida, vendo os turistas a passar – com especial incidência para elas, claro está – e, para não variar, ia olhando para o que as meninas e senhoras que passavam por mim traziam calçado, onde se verificava aquilo que constatei mais acima.
Foi então que o meu olhar se deteve numa mulher que estava sentada num daqueles bancos para os transeuntes se sentarem. Mesmo que eu não quisesse, o meu olhar prendeu-se nas suas botas altas, de cabedal, pelo meio da perna; não consegui evitar de parar a minha caminhada. A senhora estava sentada a ler o jornal, de perna cruzada, exibindo as suas pernas cobertas pelo cabedal das botas… e eu engoli em seco. Depois, como sempre, comecei a observar cada detalhe delas.
Eram botas pretas, de cabedal, sem compensação, sem terem aquela ponta extremamente bicuda (“boa para matar baratas no canto da sala”, como um amigo meu diz) mas tendo uma biqueira algo discreta e normal, diria eu. Tinham um vinco na zona do pé, comum em algumas botas, que dava a ilusão de terem no pé um simples sapato de salto alto. A sua sola era um amarelo algo baço, com marcas de algum uso – seria pedir muito que aquelas solas pudessem andar sobre mim? O tacão era fino e teria perto de uns 8 cm de altura: imaginei logo o estrago que ele faria se me pisasse mesmo em cheio na palma da mão. Possuíam fecho desde o pé até à canela e, na perna, até eram bastante simples, mas o cabedal cobria a perna na perfeição até cerca de uns 5 cm até acima do joelho. A cena veio-me logo à cabeça: eu ajoelhado aos pés daquela senhora a lamber o couro daquelas botas desde a biqueira da bota até à ponta mais alta…
- Precisas de um alguidar para a baba?
De tão vidrado que estava naquelas botas, nem me apercebera que a senhora havia mexido os lábios. Quando ela moveu o olhar na minha direcção é que tomei consciência que ela havia falado comigo! Devo ter feito uma cara de susto ao mesmo tempo que ficava de mil e uma cores, o que, aparentemente, lhe provocou um sorriso. Só então consegui ganhar alguma compostura para me aproximar dela, com passo incerto, enquanto balbuciava um pedido de desculpas. Ela sorriu.
- Queres-te sentar a meu lado? De estares tanto tempo aí especado a olhares para mim devem-te doer as pernas…
Voltei a gaguejar uma resposta, parei quando me apercebi que estava a fazer figura de ainda mais idiota. Acabei por me dirigir para o lado do banco oposto ao daquela mulher, o que não estava ocupado pelo seu casaco e pela sua mala.

Enquanto me aproximava dela, pude ver que era uma senhora já com quarenta e poucos anos (não aparentava ter mais que isso), tinha o cabelo escuro curto, acima dos ombros, que vestia um blazer escuro com riscas claras que lhe assentava surpreendentemente bem, em conjunto com a camisa branca que lhe assomava por baixo do casaco e com a saia cinzenta que lhe cobria as pernas até meio. De perna cruzada e sentada, eram perfeitamente perceptíveis os collants escuros e cremes que criavam a ilusão de que aquelas botas diabólicas eram ainda mais compridas… A última coisa que notei, antes de me sentar, foi na sua bruta aliança no anelar esquerdo.
- Erm… olá… – balbuciei.
- Olá, olá. Então, dedicas-te a observar todas as raparigas que passam na rua ou escolheste-me a mim por algum motivo?
Engoli em seco.
- Ahm… eu acho que n-não vai acreditar em mim.
- Experimenta, pode ser que te surpreendas.
- Bom… – lambi os lábios: sempre que ficava nervoso, ganhava aquele tique pois a boca secava-se-me – f-foram as suas botas. Fascinaram-me, e… erm… eu tenho uma pancada por botas e as s-suas são, erm… desculpe-me, deve achar que sou um tarado.
Ela soltou uma gargalhada; depois fechou o jornal e colocou-o em cima da mala.
- Ah, és um desses…! Bom, não és o primeiro e duvido certamente que venhas a ser o último. Acho é que nunca tinha encontrado um tão novinho como tu… Quantos anos tens? Uns vinte?
Assenti. Aquela senhora havia acertado na mouche…
- E… tens nome? Ou queres que invente um para ti?
- Uhm… Miguel.
- Prazer. Chamo-me Joana. – e estendeu-me a mão direita; acabei por lha apertar, com um sorriso tímido. Os seus olhos nem por um momento abandonaram os meus – Então e… vamos lá a falar um bocadinho. Como já percebi, gostas de botas e fixaste-te em mim (ou nas minhas pernas, se formos honestos) por causa das que tenho calçadas. Fala-me sobre isso. Que te cativou nelas? Que é que nelas te fez parares a tua marcha e ficares embasbacados a olhar para mim? E tenta falar sem rodeios nem hesitações, OK?
Acabou a sua frase com um piscar de olho, ao mesmo tempo que eu não me sentiria muito diferente se ela me estivesse a pisar os tomates com aquelas botas. Respirei fundo.
- Bem… em primeiro lugar, são de salto alto, fininho como agulha, e… são compridas, pelo meio da perna, sabe? Não se vê muitas senhoras com elas na rua… diria que, bom… provocam sem serem vulgares, não sei se me estou a fazer entender.
Joana riu-se.
- Como água. Gosto muito delas, sabes? São as minhas favoritas. – enquanto falava, a sua mão passava pelo cabedal de uma delas – E gosto de as usar. Para além de me darem altura, fazem com que os homens fiquem com suores frios ao ver-me passar. Transmitem o seu poder – como tu próprio sentiste, caso contrário não estaríamos aqui. Há quem ache que basta um decote até às pernas ou uma saia até ao umbigo para fazer com que vocês, homens, engulam em seco; eu acho isso uma ordinarice. Mas a roupa certa, acompanhada de umas botinhas destas… enche-nos de um domínio sobre a mente de muitos homens que vocês nem imaginam.
Terminou o discurso batendo com a mão na bota que estivera a acariciar. Nunca pensara muito nisso: afinal, como fetichista, apenas me limitara a admirar as botas femininas; todavia, naquele momento, todo o seu discurso pareceu-me fazer sentido, até tendo em conta a minha paixão por aquele tipo de sapato. Ainda assim, apenas pude murmurar um:
- Compreendo.
- Sim? Então e… fala-me dessa tua paixão. Como começou? Gostas de que tipo de botas?
Voltei a lamber os lábios, humedecendo-os, para depois lhe contar da minha adoração pelo poster do filme “Pretty Woman”, onde a Julia Roberts aparece a usar um par de botas de verniz preto altas que desde sempre me fascinaram e em como o meu fétiche começara a partir daí, dos anos de recortes de revistas “Maria” e catálogos da “Marie Claire” onde viessem raparigas ou senhoras de botas (mas não só, recortei mesmo aquelas onde as meninas apareciam em lingerie – mais tarde acabaria por lhes pintar botas), do primeiro par de botas que tive, esquecido em minha casa por uma ex-namorada, do par de botas que estava ao pé do caixote do lixo em estado impecável (tendo apenas as solas gastas) que “resgatei”, do primeiro par de botas que comprei, numa loja chinesa (e da “dança” que fiz dentro de um provador para as conseguir experimentar, visto não ter nenhuma meia de vidro ali à mão para ajudar…). Acabei por me abrir com Joana por completo, inclusivamente falando-lhe das noites em que eu calçava algumas delas e me deitava na cama, a masturbar-me, das vezes em que eu pedia às minhas namoradas para me deixarem fazer amor com elas de botas calçadas… falei sobre tudo. Porque me abri daquela maneira com ela? Não sei, talvez fosse ainda fruto daquele “poder” a que Joana aludira anteriormente…
- Bem… quando dizes que tens um fétiche por botas, não estás a brincar! – comentou ela assim que me calei.
- Pois… eu sou assim. – respondi, sem saber que dizer.
À nossa roda, a luz do dia ia diminuindo e o tempo arrefeceu um pouco. Todavia, deixei de sentir o frio quando Joana perguntou:
- Tenho uma questão, e respondes apenas se tiveres coragem para isso: o que farias se eu te aparecesse à frente, sem mais ninguém ao pé, apenas com estas botas calçadas e nada mais?
Engasguei-me, sentindo-me enrubescer.
- Uhm… bom… nem o sei dizer… também não lhe quero faltar ao respeito…
- Não ligues a isso. Imagina que somos dois bons amigos… ou, melhor, que tu e eu nos encontramos num bar, dois perfeitos desconhecidos à procura de acção, eu seduzo-te e levo-te para minha casa, vá, ou para um motel, estando eu como já te descrevi. Conta-me tudo.
Respirei fundo e, assim que comecei a pensar, senti a minha pila a enrijecer.
- Bom… acho que me ajoelhava logo à sua frente e ficava logo de quatro. Assim que… hmm, assim que parasse à minha beira, eu começava logo a beijar-lhe a biqueira das botas, a chupar-lhe os tacões, a lamber-lhe as solas, se assim o desejasse. Se quisesse andar por cima de mim com elas calçadas, eu virar-me-ia de barriga para cima e deixá-la-ia caminhar sobre mim, sentindo os seus tacões a enterrarem-se no meu corpo, a pisarem-me os genitais, a espezinharem-me a pila… – tive de colocar o braço sobre o baixo-ventre pois a minha erecção estava a notar-se cada vez mais – depois acho que abria a boca para que me voltasse a colocar os tacões na boca, para eu os lamber e chupar. Depois, bom… nem sei, se calhar depois colocava-me de cu para o ar, para a senhora espetar-me os tacões nas nádegas, ou… onde quisesse…
Engoli em seco e não continuei mais. A minha mente, até então, falara sem censura, imaginando tudo aquilo que estava a dizer. Ela ficou a olhar para mim, com um ligeiro sorriso trocista na cara.
- Que pena eu ser casada. Senão pensaria seriamente em ver se serias capaz de aguentar tudo isso.
Não fiquei muito desiludido por ouvir aquela frase. Afinal de contas eu já havia reparado na aliança que ela tinha, e logo por aí sabia que havia fortes probabilidades de Joana ser uma pessoa comprometida. Então porque falara eu tão abertamente com ela daquele tema? E porque havia ela puxado por mim?
- Pois… pena eu ser tão novo. – comentei – Talvez nos viéssemos a cruzar nessa altura e pudéssemos ter algo…
- Talvez, nunca o saberemos. Mas gostaria muito de poder ver se terias arcaboiço para aguentares comigo. – e ela soltou uma gargalhada.
- Quem sabe. – não pude fazer nada mais senão sorrir.
Naquele momento, Joana olhou para o seu relógio de pulso prateado.
- Hmm… o meu marido deve estar a sair. Gostei muito deste bocadinho, és divertido. E giro. E fazes uma mulher como eu sentir-se desejada.
Levantei-me, algo triste por aquele momento se acabar – a presença de Joana conseguia ser viciante e dava ideia de ela ser uma pessoa fascinante. Todavia, antes de me poder despedir dela, ela agarrou-me pelo braço.
- Não me queres tirar uma foto, querido? Para a tua punheta desta noite ter “dona”…
Soltei um grunhido sobressaltado: Joana realmente era uma mulher tremendamente directa! Acabei por assentir, dando uns passos para trás enquanto ela voltava abrir o jornal e se sentava o mais casualmente possível – mas não escondendo um sorrisinho trocista. Depois de ter confirmado que a fotografia ficou boa, ela levantou-se e pediu-me ajuda para vestir o casaco.
- Adeus, Miguel, espero que nos voltemos a encontrar. Quem sabe, noutras circunstâncias…
Deu-me um beijo nos lábios, suave, depois pegou na sua mala, meteu-a a tiracolo e abalou avenida abaixo, com os seus saltos a ressoarem pela calçada a cada passo. Engoli-a em seco, vendo-a desaparecer entre os transeuntes. Só depois, abanando a cabeça como se estivesse a tentar acordar do sonho, consegui retomar a marcha.

Joana estava certa: naquela noite, masturbei-me a pensar nela. Quando me retirei para me deitar, despi a minha roupa por completo e calcei as minhas botas mais compridas, deitando-me no colchão e agarrando a pila enquanto a minha mente regressava ao encontro com aquela senhora arrebatadora. Ela havia dado a volta à minha cabeça por completo, e imaginei que, realmente, ela me fazia todas as coisas que eu havia dito, culminando com o enfiar do seu salto no meu ânus. Nessa noite, acho que o meu orgasmo foi mais intenso que nas outras noites.
Todos os dias depois daquele, percorri a Avenida da Liberdade, não só olhando para os sapatos das meninas, como sempre, mas também tentando reconhecer aquele par de botas que tanto me fascinava, assim como reconhecer aquela senhora fascinante. Infelizmente, nunca mais a voltei a encontrar. Muitas vezes pensei vislumbrá-la a sorrir na minha direcção, mas depois reparei que era outra pessoa e que nem sequer estava a olhar para mim. Arrependi-me amargamente de não lhe ter pedido o número de telefone, pois assim talvez pudéssemos manter o contacto. E, quem sabe…
Onde estás tu, Cota das Botas?

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